sábado, 28 de setembro de 2013

metamorfoses da casa

ergue-se aérea pedra a pedra
a casa que só tenho no poema.

a casa dorme, sonha no vento
a delícia súbita de ser mastro.

como estremece um torso delicado,
assim a casa, assim um barco.

uma gaivota passa e outra e outra,
a casa não resiste: também voa.

ah, um dia a casa será bosque,
à sua sombra encontrarei a fonte
onde um rumor de água é só silêncio.

eugenio de andrade

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

amarildo


E agora, Amarildo?
o Papa voltou,
a noite chegou,
o gigante dormiu,
você sumiu,
onde está, Amarildo?
onde está, você?
Você que é pedreiro
sem paradeiro,
você que faz casas
que ama, pesca?
Onde está, Amarildo?

Está sem documentos
está sem direitos
está sem voz
já não pode trabalhar,
já não pode pescar,
amar já não pode,
a noite passou,
o dia não veio,
você não veio,
o riso não veio,
não veio a verdade,
Cabral não ouviu
a mídia se calou
a PM não viu
cadê, Amarildo?

Cadê Amarildo?
sua força de Boi,
seu tijolo de bronze,
seu barraco pequeno,
sua grande família,
seu pouco salário,
sua pele proibida,
seu bom coração,
sua justiça — cadê?

Com a vara na mão
quer abrir o mar,
mas não existe mar;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Rocinha,
Rocinha não há mais.
Amarildo, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você cantasse
o samba portelense,
se você corresse,
se você fugisse,
se você morresse...
Mas você não morre
você vive, Amarildo!

Unidos no escuro
qual bichos-do-mato,
sem democracia,
sem justiça, de fato,
para se confiar,
sem polícia montada
que fuja a galope,
nós marchamos, Amarildo!
Amarildo, para onde?"

- AMARILDO - Poema de Diego Ruas, estudante de Engenharia Florestal e militante de esquerda. Baseado no poema "José" de Carlos Drummond de Andrade, em apoio à familia, amigos/as e vizinhas/os de Amarildo.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

o pássaro azul


há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
há um pássaro azul em meu peito
que quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí,
quer acabar comigo?
(…) há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
como nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você ?

bukowski


passarinhos

  Despencados de voos cansativos Complicados e pensativos Machucados após tantos crivos Blindados com nossos motivos Amuados, reflexivo...