terça-feira, 25 de junho de 2013

profecia da invencibilidade poética


Quero que desprezem a poética até o último instante.
Quero que zombem, que maltratem essa arte.
Quero que a limária das palavras seja tripudiada,
Que edifiquem cemitérios com obras de redondilhas.
Quero que proíbam a disseminação da rima,
Que gargalhem quando passar o poeta.
Que destruam qualquer gene desse vício,
Que desiludam um a um os novos aprendizes.
E então, quando tudo acabar,
E cada um dos homens de ferro estiver só,
Nascerá neles uma inconsistente risca de Poesia.
Restará para eles uma profunda solidão,
Que é irmã gêmea da Poesia.
Restará o desejo pelo que eles não foram,
Que é o desabafo na Poesia.
Restará o escárnio pelos que foram Poetas,
Que é o ponto crítico da Poesia.
Restará só a lembrança de um peito de aço,
Que é o refúgio na Poesia.
E quando cada certeza se tornar um delírio
(apenas a miragem de uma luz inexistente
imaginada na escuridão do derradeiro),
Restará apenas o Medo.
E o Último dos Homens de Ferro se tornará Poeta,
Cultivando em seu medo a mais sublime Poesia.


patrícia moresco

quarta-feira, 12 de junho de 2013

amar




que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer, amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor à procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito, e a sede infinita.

drummond 

domingo, 9 de junho de 2013

De que serve a bondade

I

De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?

2

Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
ou melhor: que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio!


Bertolt Brecht

passarinhos

  Despencados de voos cansativos Complicados e pensativos Machucados após tantos crivos Blindados com nossos motivos Amuados, reflexivo...