...Deus não há.
Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um
milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente
perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas
horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos
grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus,
então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do
homem está presa encantoada – erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos
sem pernas e braços. Dor não dói até em criancinhas e bichos, e nos doidos –
não dói sem precisar de se ter razão nem conhecimento? E as pessoas não nascem
sempre? Ah, medo tenho não é de ver morte, mas de ver nascimento. Medo
mistério. O senhor não vê? O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe
mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente
sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo. O inferno é um
sem-fim que nem não se pode ver. Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas
um fim com depois dele a gente tudo vendo.
guimarães rosa