sexta-feira, 30 de agosto de 2013

grande sertão veredas

...Deus não há. Estremeço. Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa nenhuma! Porque existe dor. E a vida do homem está presa encantoada – erra rumo, dá em aleijões como esses, dos meninos sem pernas e braços. Dor não dói até em criancinhas e bichos, e nos doidos – não dói sem precisar de se ter razão nem conhecimento? E as pessoas não nascem sempre? Ah, medo tenho não é de ver morte, mas de ver nascimento. Medo mistério. O senhor não vê? O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo. O inferno é um sem-fim que nem não se pode ver. Mas a gente quer Céu é porque quer um fim: mas um fim com depois dele a gente tudo vendo.


guimarães rosa

terça-feira, 13 de agosto de 2013

monólogos

Um cachorro todo mundo sabe que serve para a gente falar sozinho.
Um cavalo, também. Pois qual é o ginete que, na solidão dos campos, já não monologou com a sua montaria? "Anda, cavalinho! Temos que chegar antes do anoitecer!" E o cavalinho, mais compreensivo do que qualquer cavalão, troca as orelhas e acelera a andadura. "Mas que será aquilo que vai andando lá adiante? Algum vivente de a pé... Vagabundos!... Anda, anda, cavalinho!"
Tudo isso me faz lembrar uma personagem de Vicki Baum, que, foragida da Europa em Xangai, vivia tão só que falava com as coisas. "Agora, cafeteira, vamos preparar um bom café... bem forte e bem quentinho.
Agora, papel, vamos escrever uma carta. Pode ser que desta vez ela responda... Mas também, está tão longe... Talvez ainda não tenha recebido nenhuma."
E, por falar em falar sozinho, me contaram que havia um sujeito que, não tendo cachorro nem cafeteira, falava consigo mesmo. A coisa chegou a tal ponto que foi consultar um psiquiatra. Este procurou tranqüilizá-lo:
- Não se preocupe, o seu caso não tem a mínima gravidade. É um desabafo como outro qualquer, a coisa mais natural do mundo. E depois, quem é que não gosta de falar consigo mesmo?
- Mas não é isso, doutor... É que o senhor não imagina como eu sou chato.

mario quintana em "da preguiça como método de trabalho."

passarinhos

  Despencados de voos cansativos Complicados e pensativos Machucados após tantos crivos Blindados com nossos motivos Amuados, reflexivo...