sábado, 28 de março de 2009

Eu Apenas Queria Que Você Soubesse - Gonzaguinha


Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
Eu apenas queria que você soubesse
Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho
Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também
E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora
É se respeitar na sua força e fé
E se olhar bem fundo até o dedão do pé
Eu apenas queira que você soubesse
Que essa criança brinca nesta roda
E não teme o corte de novas feridas
Pois tem a saúde que aprendeu com a vida
Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
Eu apenas queria que você soubesse
Que esta menina hoje é uma mulher
E que esta mulher é uma menina
Que colheu seu fruto flor do seu carinho
Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também


Essa incapacidade de atingir, de entender, é que faz com que eu, por instinto de… de quê? procure um modo de falar que me leve mais depressa ao entendimento. Esse modo, esse “estilo” (!), já foi chamado de várias coisas, mas não do que realmente e apenas é: uma procura humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em “humildade” refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica. Virgem Maria, até eu mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida, faz perder muito tempo.




A Descoberta do Mundo - clarice lispector

terça-feira, 24 de março de 2009

aprendendo a viver


Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente. Não é a violência que eu procuro, mas uma força ainda não classificada mas que nem por isso deixará de existir no mínimo silêncio que se locomove. Nesse instante há muito que o sangue já terá desaparecido. Não sei como explicar que, sem alma, sem espírito, e um corpo morto — serei ainda eu, horrivelmente esperta. Mas dois e dois são quatro e isso é o contrário de uma solução, é beco sem saída, puro problema enrodilhado em si. Para voltar de ‘dois e dois são quatro’ é preciso voltar, fingir saudade, encontrar o espírito entregue aos amigos, e dizer: como você engordou! Satisfeita até o gargalo pelos seres que mais amo. Estou morrendo meu espírito, sinto isso, sinto.



clarice lispector

domingo, 15 de março de 2009

mundo grande

                 [...]
Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma. Não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo.
drummond 

sábado, 14 de março de 2009

A verdade


A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil de meia verdade,
E a sua segunda metade
Voltava igualmente com meios perfis
E os meios perfis não coincidiam verdade...
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta,
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual
a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
Cada um optou conforme
Seu capricho,
sua ilusão, 
sua miopia.
drummond

quarta-feira, 11 de março de 2009

quelqu'un m'a dit - carla bruni

Disseram-me que as nossas vidas não valem grande coisa,

Elas passam em instantes como murcham as rosas.
Disseram-me que o tempo que desliza é um bastardo
Que das nossas tristezas ele faz suas cobertas

No entanto alguém me disse...
Que você ainda me ama,
Foi alguém que me disse
que você ainda me ama
Seria isto possível então?

Disseram-me que o destino debocha de nós
Que não nos dá nada e nos promete tudo
Faz parecer que a felicidade está ao alcance das mãos,
Então a gente estende a mão e se descobre louco
No entanto alguém me disse...

Mas quem me disse que você sempre me amou?
Eu não recordo mais, já era tarde da noite,
Eu ainda ouço a voz, mas eu não vejo mais seus traços
'ele ama você, isso é segredo,
não diga a ele que eu disse a você'

Sabe, alguém me disse...
Que você ainda me ama,
Disseram-me isso realmente...
Que você ainda me ama,
Seria isto possível então?

Disseram-me que as nossas vidas não valem grande coisa,
Elas passam em instantes como murcham as rosas.
Disseram-me que o tempo que se vai é um bastardo
Que das nossas tristezas ele faz a sua coberta

No entanto alguém me disse...
Que você ainda me ama,
Foi alguém que me disse
Que você ainda me ama
Seria isto possível então?

Soneto de aniversário



Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envilecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira-se antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

viniciusdemoraes.

domingo, 1 de março de 2009


- não quero ser uma coisa nova em sua vida, nem desaparecer quando amanhecer o dia. Quero apenas dobrar a esquina do seu mundo e ter a sensação de que nunca fui embora.                     

passarinhos

  Despencados de voos cansativos Complicados e pensativos Machucados após tantos crivos Blindados com nossos motivos Amuados, reflexivo...