...a viagem não
acaba nunca. só os viajantes acabam. e mesmo estes podem prolongar-se em
memória, em lembrança, em narrativa. quando o viajante se sentou na areia da
praia e disse: ‘não há mais que ver’, sabia que não era assim. o fim duma
viagem é apenas o começo doutra. é preciso ver o que não
foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão,
ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver
a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui
não estava. é preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e
para traçar caminhos novos ao lado deles. é preciso recomeçar a viagem. sempre.
o viajante volta já.”
Saramago em “viagem
a Portugal”.