terça-feira, 30 de julho de 2013

...a viagem não acaba nunca. só os viajantes acabam. e mesmo estes podem prolongar-se em memória, em lembrança, em narrativa. quando o viajante se sentou na areia da praia e disse: ‘não há mais que ver’, sabia que não era assim. o fim duma viagem é apenas o começo doutra. é preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. é preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. é preciso recomeçar a viagem. sempre. o viajante volta já.”


Saramago em “viagem a Portugal”.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

são jorge

um dia um Papa decretou que São Jorge jamais havia existido.
meu Deus! a falta que nos faz São Jorge...
se ninguém se atrever a montar no seu Cavalo Branco,
o Dragão Negro nos apanhará!

mario quintana - velório sem defunto, 1990

sábado, 20 de julho de 2013

os amigos


os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.


eugenio de andrade

quarta-feira, 10 de julho de 2013

elegia

trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
à noite, se neblina, abrem guardas chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
a literatura estragou tuas melhores horas de amor.
ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

drummond, 1938.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

fra mauro (Lua)


Fra Mauro é uma região de terras-altas na Lua, onde a missão Apollo 14 pousou em fevereiro de 1971. Seu nome vem da cratera Fra Mauro, de 80 km de diâmetro, situada dentro da área abrangida por ela e a cratera tem seu nome em homenagem e reconhecimento dos cientistas de hoje ao monge e mapista do século XV, que mapeou o então conhecido Mar Mediterrâneo com surpreendente acuidade.
A região é uma área geológica montanhosa, cobrindo largas porções da superfície lunar em volta do Mare Imbrium e se imagina ser composta dejeta do impacto que formou o 'mare'. É caracterizada por cordilheiras de algumas centenas de metros de altura, que se irradiam da base de Imbrium e são separadas por vales ondulantes. A cobertura de ejeta está hoje enterrada sob uma camada de cascalho mais jovem e solo lunar revolvido por impactos de meteoritos mais recentes e possíveis 'lunamotos'- terremotos lunares. Os dejetos da área devem provavelmente ter vindo de mais de 100 km de profundidade da camada lunar original após o impacto e as amostras trazidas pelos astronautas da Apollo 14 mostram evidências de quando a base de Imbrium foi formada e ajudam a estabelecer a idade e a natureza física e química do material interno da crosta pré-impacto.
A borda sudeste do Mare Insularum se estende entre as crateras Lansberg e Fra Mauro. A metade mais baixa desta área é ocupada pelo Mare Cognitum; apesar da área ter parecido geologicamente desinteressante a princípio, ela provou conter importantes locações e desde então é uma das mais estudadas regiões da Lua. Esta é a área onde a sonda Ranger 7 se espatifou na descida e onde duas expedições Apollo pousaram: a Apollo 12perto da Surveyor 3 e a Apollo 14 nas colinas na borda da cratera Fra Mauro.
A área de Fra Mauro se tornou mais interessante para os geólogos quando o sismógrafo da Apollo 12 na cratera Surveyor, 110 km a oeste, enviou à Terra sinais de 'lunamotos' mensais, que se acreditam terem se originado na cratera de Fra Mauro quando a Lua passava por seu perigeu.
Um impacto recente perto do local do pouso da Apollo 14 formou a cratera chamada Cone, com cerca de 300 m de extensão e 76 m de profundidade, com largos blocos de material original da área espalhados pela encosta da cratera. Os astronautas Alan Shepard e Edgar Mitchell subiram esta encosta para fotografar o interior da cratera e coletar amostras de rocha da borda em volta. fonte:wiki


quinta-feira, 4 de julho de 2013

poética

estou farto do lirismo comedido
do lirismo bem comportado
do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
abaixo os puristas
todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
estou farto do lirismo namorador
político
raquítico
sifilítico
de todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
de resto não é lirismo
será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
quero antes o lirismo dos loucos
o lirismo dos bêbedos
o lirismo difícil e pungente dos bêbedos
o lirismo dos clowns de Shakespeare
— não quero mais saber do lirismo que não é libertação.


manuel bandeira

passarinhos

  Despencados de voos cansativos Complicados e pensativos Machucados após tantos crivos Blindados com nossos motivos Amuados, reflexivo...