quinta-feira, 30 de junho de 2011

meu eu em você


Eu sou o brilho dos teus olhos ao me olhar
Sou o teu sorriso ao ganhar um beijo meu
Eu sou teu corpo inteiro a se arrepiar
Quando em meus braços você se acolheu
Eu sou o teu segredo mais oculto
Teu desejo mais profundo, o teu querer
Tua fome de prazer sem disfarçar
Sou a fonte de alegria, sou o teu sonhar
Eu sou a tua sombra, eu sou teu guia
Sou o teu luar em plena luz do dia
Sou tua pele, proteção, sou o teu calor
Eu sou teu cheiro a perfumar o nosso amor
Eu sou tua saudade reprimida
Sou o teu sangrar ao ver minha partida
Sou o teu peito a apelar, gritar de dor
Ao se ver ainda mais distante do meu amor
Sou teu ego, tua alma
Sou teu céu, o teu inferno a tua calma
Eu sou teu tudo, sou teu nada
Minha pequena, és minha amada
Eu sou o teu mundo, sou teu poder
Sou tua vida, sou meu eu em você

paula fernandes - que mulher é essa hein ? 

terça-feira, 28 de junho de 2011



- que aconteça alguma coisa bem bonita para você,
te desejo uma fé enorme,
em qualquer coisa, não importa o quê.






caio f.
(mc)

segunda-feira, 27 de junho de 2011



- rosa, eu não sabia, é flor que não pára de florescer no inverno. 
as minhas pelo menos não.


caio fernando

seis ou treze coisas que aprendi sozinho

                                                                                                              - 9


Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.






manoel de barros em 'o guardador de águas'

domingo, 26 de junho de 2011

o que alécio vê



A voz lhe disse ( uma secreta voz):
- Vai, Alécio, ver.
Vê e reflete o visto, e todos captem
por seu olhar o sentimento das formas
que é o sentimento primeiro - e último - da vida.


E Alécio vai e vê
o natural das coisas e das gentes,
o dia, em sua novidade não sabida,
a inaugurar-se todas as manhãs,
o cão, o parque, o traço da passagem
das pessoas na rua, o idílio
jamais extinto sob as ideologias,
a graça umbilical do nu feminino,
conversas de café, imagens
de que a vida flui como o Sena ou o São Francisco
para depositar-se numa folha
sobre a pedra do cais
ou para sorrir nas telas clássicas de museu
que se sabem contempladas
pela tímida (ou arrogante) desinformação das visitas,
ou ainda
para dispersar-se e concentrar-se
no jogo eterno das crianças.


Ai, as crianças... Para elas,
há um mirante iluminado no olhar de Alécio
e sua objetiva.
(Mas a melhor objetiva não serão os olhos líricos de Alécio?)
Tudo se resume numa fonte
e nas três menininhas peladas que a contemplam,
soberba, risonha, puríssima foto-escultura de Alécio de Andrade,
hino matinal à criação
e a continuação do mundo em esperança.


 
drummond

sábado, 25 de junho de 2011

a ponto de partir

a ponto de
partir, já sei
que nossos olhos
sorriam para sempre
na distância.
parece pouco?
chão de sal grosso, e ouro que se racha.
a ponto de partir, já sei que nossos olhos sorriem na distância.
lentes escuríssimas sob os pilotis.



ana cristina cesar

o bandarra




Ele só andava por lugares pobres
E era ainda mais pobre
Do que os lugares pobres por onde andava.
Falou de começo: Quem abandona a natureza entra a
verme.
Aves nutriam por ele deslumbramentos de criança.
Ele sabia o sotaque das lesmas
E tinha um modo de árvore pregado no olhar.
O homem usava um dólmã de lã sujo de areia e cuspe
de aves.
Mas ele nem tô aí para os estercos.
Era desorgulhoso.
Para ele a pureza do cisco dava alarme.
E só pelo olfato esse homem descobria as cores do
amanhecer.






manoel de barros

quinta-feira, 23 de junho de 2011




 - as coisas vão dar certo. Vai ter amor, vai ter fé,
Vai ter paz. Se não tiver, a gente inventa.







caio fernando

quarta-feira, 22 de junho de 2011

sombra boa

XIII

...
Achava que a partir de ser inseto o homem poderia
entender melhor a metafísica.
Eu precisava de ficar pregado nas coisas vegetalmente e
achar o que não procurava.
Naqueles relentos de pedra e lagartos, gostava de
conversar com idiotas de estrada e maluquinhos de
mosca.
Caminhei sobre grotas e lajes de urubus.
Vi outonos mantidos por cigarras.
Vi lamas fascinando borboletas.
E aquelas permanências nos relentos faziam-me
alcançar os deslimites do Ser.
Meu verbo adquiriu espessura de gosma.
Fui adotado em lodo .
Já se viam vestígios de mim nos lagartos.
Todas as minhas palavras já estavam consagradas de
pedras.
Dobravam-se lírios para os meus tropos.
Penso que essa viagem me socorreu a pássaros.
Não era mais a denúncia das palavras que me importava
mas a parte selvagem delas, os seus refolhos, as
suas entraduras.
Foi então que comecei a lecionar andorinhas.






manoel de barros em 'o livro das ignorãças'

segunda-feira, 20 de junho de 2011

se



se
nem
for
terra
se
trans
for
mar



leminski




- das lições que a vida dá, aprendeu a mais bonita:
o que de dentro fora se vê, renova certezas.
'força e fé, repete comigo'.



caio f. abreu

sábado, 18 de junho de 2011

três metades




Meio dia,
um dia e meio,
meio dia, meio noite,
metade deste poema
não sai na fotografia,
metade, metade foi-se.

Mas eis que a terça metade,
aquela que é menos dose
de matemática verdade
do que soco, tiro, ou coice,
vai e vem como coisa
de ou, de nem, ou de quase.

Como se a gente tivesse
metades que não combinam,
três partes, destempestades,
três vezes ou vezes três,
como se quase, existindo,
só nos faltasse o talvez.






leminski

quarta-feira, 15 de junho de 2011

terça-feira, 14 de junho de 2011

para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber II



Desinventar objetos. O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear. Até que
ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou
uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham
idioma.





manoel de barros - em 'o livro das ignorãças'.

love me tender




...for my darlin' i love you, and i always will.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

odes de ricardo reis



Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.




fernando pessoa 

domingo, 12 de junho de 2011

trovas de muito amor para um amado senhor


(I) 
Nave
Ave
Moinho
E tudo mais serei
Para que seja leve
Meu passo
Em vosso caminho.
(II) 
Dizeis que tenho vaidades.
E que no vosso entender
Mulheres de pouca idade
Que não se queiram perder
É preciso que não tenham
Tantas e tais veleidades.
Senhor, se a mim me acrescento
Flores e renda, cetins,
Se solto o cabelo ao vento
É bem por vós, não por mim.
Tenho dois olhos contentes
E a boca fresca e rosada.
E a vaidade só consente
Vaidades, se desejada.
E além de vós
Não desejo nada.
(XIII)



hilda hilst

quinta-feira, 2 de junho de 2011

aprendimentos


O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é
o caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim
falou que só sabia que não sabia de nada. Não tinha
as certezas científicas. Mas que aprendera coisas
di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas
das árvores servem para nos ensinar a cair sem
alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado
sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente
aprender o idioma que as rãs falam com as águas
e ia conversar com as rãs. E gostasse mais de
ensinar que a exuberância maior está nos insetos
do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de
ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros
do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara
nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver,
no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou
por vezes de alcançar o sotaque das origens.
Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno
grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles –
esse pessoal. Eles falavam nas aulas: Quem se
aproxima das origens se renova. Píndaro falava pra
mim que usava todos os fósseis linguísticos que
achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam
que o fascínio poético vem das raízes da fala.
Sócrates falava que as expressões mais eróticas
são donzelas. E que a Beleza se explica melhor
por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei
sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.





manoel de barros - memórias inventadas

quarta-feira, 1 de junho de 2011

espera



Deito-me tarde
Espero por uma espécie de silêncio
Que nunca chega cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
É então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
A nossa própria mão poisada sobre a mesa

É então que se vê o passar do silêncio
Navegação antiquíssima e solene






sophia andresen

passarinhos

  Despencados de voos cansativos Complicados e pensativos Machucados após tantos crivos Blindados com nossos motivos Amuados, reflexivo...