segunda-feira, 27 de dezembro de 2010



"...antes havia ilusões não havia? morávamos nas ilusões. Ehud, e se eu costurasse máscaras de seda, ajustadas, elegantes, por exemplo, se eu estivesse serena sairia com a máscara da serenidade, leve, pequenas pinceladas, um meio sorriso, todos os que estivessem serenos usariam a mesma máscara, máscaras de ódio, de não disponibilidade, máscaras de luto, máscaras de não pacto, não seria preciso perguntar vai bem ou como vai etc., tudo estaria na cara..."

hilda hilst

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

se tu viesses ver-me hoje à tardinha




Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...



florbela espanca

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

este livro



Meu filho. Não é automatismo. Juro. É jazz do
coração. É prosa que dá prêmio. Um tea for two
total, tilintar de verdade que você seduz,
charmeur volante, pela pista, a toda. Enfie a
carapuça.
E cante.
Puro açúcar branco e blue.


ana cristina cesar

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

retrato do artista quando coisa



Retrato do artista quando coisa: borboletas
Já trocam as árvores por mim.
Insetos me desempenham.
Já posso amar as moscas como a mim mesmo.
Os silêncios me praticam.
De tarde um dom de latas velhas se atraca
em meu olho
Mas eu tenho predomínio por lírios.
Plantas desejam a minha boca para crescer
por de cima.
Sou livre para o desfrute das aves.
Dou meiguice aos urubus.
Sapos desejam ser-me.
Quero cristianizar as águas.
Já enxergo o cheiro do sol.



manoel de barros

quinta-feira, 25 de novembro de 2010




Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também.Tá me entendendo? Eu sei que sim. Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também! Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia. Mas você tem que prometer que vai remar também, com vontade! Eu começo a ler sobre política, futebol, ficção científica. Aprendo a pescar, se precisar. Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena. Que por nós vale a pena.
Remar.
Re-amar.
Amar.
caio fernando abreu
Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira.

cecilia meireles

terça-feira, 23 de novembro de 2010

nuvens



azul é nossa toada sem nada perceber
quando mais um dia se vai
tão rápido
que quase não se toca que já foi
cantares, luas e mocinhas
quando mais tenho desse aqui
um tempo moinho
uma queda grosseira
devaneares
esqueci
mento, sinto.
cabeça caindo sem o som da
guitarra espanhola
sonho de conseguir coordenar as palavras
para que elas voem
ali, além.
anil de pantera
um sair de si e conscientemente chegar
seguir.
é.


candice machado

poeminha sentimental




O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.



mario quintana

sábado, 20 de novembro de 2010

dona doida




Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.

Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.

Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.

Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.

A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.

Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,

eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.



adélia prado

dos dias


quinta-feira, 11 de novembro de 2010

depois de ter você



Depois de ter você
Para que querer saber que horas são?
Se é noite ou faz calor
Se estamos no verão
Se o sol virá ou não
Ou pra que é quer serve uma canção como essa?
Depois de ter você

poetas para quê?
Os deuses, as dúvidas?
Para que amendoeiras pelas ruas?
Para que servem as ruas? depois de ter você.



adriana calcanhoto

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

dez chamamentos ao amigo VII



Sorrio quando penso
Em que lugar da sala
Guardarás o meu verso.
Distanciado
Dos teus livros políticos?
Na primeira gaveta
Mais próxima à janela?
Tu sorris quando lês
Ou te cansas de ver
Tamanha perdição
Amorável centelha
No meu rosto maduro?
E te pareço bela
Ou apenas te pareço
Mais poeta talvez
E menos séria?
O que pensa o homem
Do poeta? Que não há verdade
Na minha embriaguez
E que me preferes
Amiga mais pacífica
E menos aventura?
Que é de todo impossível
Guardar na tua sala
Vestígio passional
Da minha linguagem?
Eu te pareço louca?
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?
Ou é mesmo verdade
Que nunca me soubeste?


hilda hilst

terça-feira, 26 de outubro de 2010

o apanhador de desperdícios



Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso as palavras para compor meus silêncios.



manoel de barros

quinta-feira, 21 de outubro de 2010




- tudo é pretexto para o abandono de si mesmo e para a preguiça mental. estou feliz e o que é preciso mesmo é, como você sempre diz, construir um pouco minha felicidade. clarice

terça-feira, 19 de outubro de 2010

enchantagem


de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito

pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade

o pau na vida
o vinagre
vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade.

leminski

quinta-feira, 14 de outubro de 2010




Um dia desses tive um ódio muito forte, coisa que eu nunca me permiti; era mais uma necessidade de ódio.
Então escrevi um conto chamado "O Búfalo", tão, tão forte.
É a história de uma mulher que vai ao Jardim Zoológico para aprender com os bichos como odiar. Mas é primavera e os animais estão mansos, mesmo o leão lambe a testa da leoa.
Essa mulher, que só aprendeu a perdoar e a se resignar e amar, precisa pelo menos uma vez tocar no ódio de que é feito o seu perdão.
Entende-se que ninguém tem culpa: ela está tentando odiar um homem cujo "único crime impunível" é não amá-la. Na verdade, por mais irracional que fosse, ela o odiava, só que não conseguia sentir em cheio o próprio ódio.
Depois é que vem o búfalo. Mas estou vendo que estou matando a história, contando-a desse jeito.
Um dia vocês verão.

clarice

terça-feira, 12 de outubro de 2010




...
e à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
nada do que não era antes quando não somos mutantes

e foste um difícil começo
afasto o que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende depressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso

do avesso
do avesso
do avesso
...




caetano

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Canção de aia para o filho do rei




Mandei pregar as estrelas
Pra velarem teu sono.
Teus suspiros são barquinhos
Que me levam para longe.
Me perdi no céu azul
E tu, dormindo, sorrias.
Despetalei uma estrela
Para ver se me querias.
Aonde irão os barquinhos?
Os remos mal batem na água.
Minhas mãos dormem na sombra.
A quem será que sorris?
Dorme quieto meu reizinho.
Há dragões na noite imensa,
Há emboscadas nos caminhos
Despetalei as estrelas,
Apaguei as luzes todas.
Só o luar te banha o rosto
E tu sorris no teu sonho.
Ergues o braço nuzinho,
Quase me tocas...há medo
Eu começo a acariciar-te
Com a sombra dos meus dedos.
Dorme quieto meu reizinho.
os dragões, com a boca enorme,
Estão comendo os sapatos
Dos meninos que não dormem.


mário in canções.

sábado, 25 de setembro de 2010

primavera ao correr da máquina



Os primeiros calores da nova estação, tão antigos como um primeiro sopro. E que me faz não poder deixar de sorrir. Sem me olhar ao espelho, é um sorriso que tem a idiotice dos anjos.

Muito antes de vir a nova estação já havia o prenúncio: inesperadamente uma tepidez de vento, as primeiras doçuras do ar. Impossível! impossível que essa doçura de ar não traga outras! diz o coração se quebrando.

Impossível, diz em eco a mornidão ainda tão mordente e fresca da primavera. Impossível que esse ar não traga o amor do mundo! repete o coração que parte sua secura crestada num sorriso. E nem sequer reconhece que já o trouxe, que aquilo é amor. Esse primeiro calor ainda fresco traz: tudo. Apenas isso, e indiviso: tudo.

E tudo é muito para um coração de repente enfraquecido que só suporta o menos, só pode querer o pouco e aos poucos. Sinto hoje, e também mordente, uma espécie de lembrança ainda vindoura do dia de hoje. E dizer que nunca, nunca dei isto que estou sentindo a ninguém e a nada. Dei a mim mesma? Só dei na medida em que a pungência do que é bom cabe dentro de nervos tão frágeis, de mortes tão suaves. Ah, como quero morrer. Nunca ainda experimentei morrer — que abertura de caminho tenho ainda à frente. Morrer terá a mesma pungência indivisível do bom. A quem darei minha morte? que será como os primeiros calores frescos de uma nova estação. Ah, como a dor é mais suportável e compreensível que essa promessa de frígida e líquida alegria da primavera. É com tal pudor que espero morrer: a pungência do bom. Mas nunca morrer antes de realmente morrer: pois é tão bom prolongar essa promessa. Quero prolongá-la com tal finura. Eu me banho, nutro-me da vida melhor e mais fina, pois nada é bom demais para me preparar para o instante dessa nova estação. Quero os melhores óleos e perfumes, quero a vida da melhor espécie, quero as esperas as mais delicadas, quero as melhores carnes finas e também as pesadas para comer, quero a quebra de minha carne em espírito e do espírito se quebrando em carne, quero essas finas misturas — tudo o que secretamente me adestrará para aqueles primeiros momentos que virão. Iniciada, pressinto a mudança de estação. E desejo a vida mais cheia de um fruto enorme. Dentro desse fruto que em mim se prepara, dentro desse fruto que é suculento, há lugar para a mais leve das insônias que é a minha sabedoria de bicho acordado: um véu de alerteza, esperta apenas o bastante para apenas pressentir. Ah, pressentir é mais ameno do que o intolerável agudo do bom. E que eu não esqueça, nessa minha fina luta travada, que o mais difícil de se entender é a alegria. Que eu não esqueça que a subida mais escarpada, e mais à mercê dos ventos, é sorrir de alegria. E que por isso e aquilo é que menos tem cabido em mim : a delicadeza infinita da alegria. Pois quando me demoro demais nela e procuro me apoderar de sua levíssima vastidão, lágrimas de cansaço me vêm aos olhos: sou fraca diante da beleza do que existe e do que vai existir. E não consigo, nesse adestramento contínuo, me apoderar do primeiro regozijo da vida.

Conseguirei captar o regozijo infinitamente doce de morrer? Ah, como me inquieta não conseguir viver o melhor, e assim poder enfim morrer o melhor. Como me inquieta que alguém possa não compreender que morrerei numa ida para uma tonta felicidade de primavera. Mas não apressarei de um instante a vinda dessa felicidade — pois esperá-la vivendo é a minha vigília de vestal. Dia e noite não deixo apagar-se a vela — para prolongá-la na melhor das esperas. Os primeiros calores da primavera... mas isso é amor! A felicidade me deixa com um sorriso de filha. Estou toda bem penteada. Só que a espera quase já não cabe mais em mim. É tão bom que corro o risco de me ultrapassar, de vir a perder a minha primeira morte primaveril, e, no suor de tanta espera tépida, morrer antes. Por curiosidade, morrer antes: pois já quero saber como é a nova estação.

Mas vou esperar. Vou esperar comendo com delicadeza e recato e avidez controlada cada mínima migalha de tudo, quero tudo pois nada é bom demais para a minha morte que é a minha vida tão eterna que hoje mesmo ela já existe e já é. clarice

terça-feira, 21 de setembro de 2010

contemplação



Não acuso. Nem perdôo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.

Quando os homens apareceram eu não estava presente.
Eu não estava presente, quando a terra se desprendeu do sol.
Eu não estava presente, quando o sol apareceu no céu.
E antes de haver o céu, EU NÃO ESTAVA PRESENTE.
Como hei de acusar ou perdoar?
Nada sei.
Contemplo.
Parece que às vezes me falam. Mas também não tenho certeza.
Quem me deseja ouvir, nestas paragens onde somos todos estrangeiros?
Também não sei com segurança, muitas vezes, da oferta que vai comigo, e em que resulta, pois o mundo é mágico!
Tocou-se o Lírio e apareceu um Cavalo Selvagem.
E um anel no dedo pode fazer desabar da lua um temporal.


Já vês que me enterneço e me assusto, entre as secretas maravilhas.
E não posso medir todos os ângulos do meu gesto.
Noites e noites, estudei devotamente nossos mitos, e sua geometria.
Por mais que me procure, antes de tudo ser feito,

eu era amor. Só isso encontro.

Caminho, navego, vôo,
- sempre amor.
Rio desviado, seta exilada, onda soprada ao contrário,
- mas sempre o mesmo resultado: direção e êxtase.
À beira dos teus olhos, por acaso detendo-me,
que acontecimentos serão produzidos em mim e em ti?

Não há resposta.
Sabem-se os nascimentos quando já foram sofridos.
Tão pouco somos, - e tanto causamos, com tão longos ecos!
Nossas viagens têm cargas ocultas, de desconhecidos vínculos.

Entre o desejo do itinerário, uma lei que nos leva age invisível e abriga
mais que o itinerário e o desejo.

Que te direi, se me interrogas?
As nuvens falam?
Não. As nuvens tocam-se, passam, desmancham-se.
Às vezes, pensa-se que demoram, parece que estão paradas...
Confundiram-se.

E até se julga que dentro delas andam estrelas e planetas.
Oh, aparência...Pode talvez andar um tonto pássaro perdido.
Voz sem pouso, no tempo surdo.

Não acuso nem perdôo.
Que faremos, errantes entre as invenções dos deuses?
Eu não estava presente, quando formaram a voz tão frágil dos pássaros.
Quando as nuvens começaram a existir,
qual de nós estava presente?



cecília meirelles

domingo, 5 de setembro de 2010

é pra lá que eu vou

Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto - é para lá que eu vou. À ponta do lápis o traço.
Onde expira um pensamento está uma idéia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia - é para lá que eu vou.
Na ponta dos pés o salto.
Parece a história de alguém que foi e não voltou - é para lá que eu vou.
Ou não vou? Vou, sim. E volto para ver como estão as coisas. Se continuam mágicas.
Realidade? eu vos espero. E para lá que eu vou.
Na ponta da palavra está a palavra. Quero usar a palavra "tertúlia" e não sei aonde e quando. À beira da tertúlia está a família. À beira da família estou eu. À beira de eu estou mim. É para mim que eu vou. E de mim saio para ver. Ver o quê? ver o que existe. Depois de morta é para a realidade que vou. Por enquanto é sonho. Sonho fatídico. Mas depois - depois tudo é real. E a alma livre procura um canto para se acomodar. Mim é um eu que anuncio.
Não sei sobre o que estou falando. Estou falando de nada. Eu sou nada. Depois de morta engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor meu nome.
É para o meu pobre nome que vou.
E de lá volto para chamar o nome do ser amado e dos filhos. Eles me responderão. Enfim terei uma resposta. Que resposta? a do amor. Amor: eu vos amo tanto. Eu amo o amor. O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta. A que diz palavras. Palavras ao vento? que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.
Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Vou, bruxa que sou. E me transmuto.
Oh, cachorro, cadê tua alma? está à beira de teu corpo? Eu estou à beira de meu corpo. E feneço lentamente.
Que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor estamos nós.
clarice

terça-feira, 24 de agosto de 2010

aprendi que

as pessoas esquecem o que você diz,
esquecem o que você faz, mas não esquecem
como você faz
com que elas se sintam.

maya angelu

sábado, 14 de agosto de 2010

transitoriedade




algo está indo embora
algo não se explica
algo não se machuca mais


relâmpagos e apitos
pareceram estranhos
ele só queria não mais tê-lo
por perto
para não ser ferido.
ainda podia se ferir ?

o cheiro de dor foi mais
intenso dessa vez.
talvez porque ele
tivesse esperado que
fosse diferente. para melhor.

mas não obteve resposta.
estava vazio
e nem mesmo seu outro lado
compreendia

queria sorrisos suados depois de uma
eternidade de amor
ganhou purpurinas de adeus.

agora lágrimas descem despudoradas
e agora uma dorzinha de formiga
lateja em todo seu ser.
algo está indo embora, mas

algo também chegará.





candice machado

quinta-feira, 5 de agosto de 2010





Somos finos como papel. Existimos por acaso entre as porcentagens, temporariamente. E esta é a melhor e a pior parte, o fator temporal. E não há nada que se possa fazer sobre isso. Você pode sentar no topo de uma montanha e meditar por décadas e nada vai mudar. Você pode mudar a si mesmo para ser aceitável, mas talvez isso também esteja errado. Talvez pensemos demais. Sinta mais, pense menos."

Bukowski

alteridade


O eu do outro
o outro do eu
o outro do outro

eu
carlosvogt

segunda-feira, 2 de agosto de 2010



...
mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter demais no tema. mudar de assunto, digitar rápido o ponto final,
sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco: .

caiof.




O amor é alquímico. Se você se amar, a sua parte feia desaparecerá, será absorvida, será transformada. A energia é liberada daquela forma.
Todas as coisas que são chamadas de pecado simplesmente desaparecem.
Ame-se. Esse deveria ser o mandamento fundamental.
Ame-se. Tudo o mais se seguirá, mas esse é o alicerce.
osho

dez chamamentos ao amigo I




Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.


Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

(I)



hilda hilst

sábado, 31 de julho de 2010




Deus tem que vir a mim já que não tenho ido a Ele. Que o Deus venha: por favor. Mesmo que eu não mereça. Venha. Ou talvez os que menos merecem mais precisem. Sou inquieta e áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha.
Só que não sei usar amor. Às vezes me arranha como se fossem farpas.

Se tanto amor dentro de mim eu recebi e no entanto continuo inquieta é porque preciso que o Deus venha.

clarice

terra de gigantes ^^




...
ei mãe
eu já não esquento a cabeça
durante muito tempo isso era
só o que eu podia fazer
mas, hey mãe!
por mais que a gente cresça
há sempre alguma coisa que a gente
não consegue entender

por isso
só me acorda quando o sol tiver se posto
eu não quero ver meu rosto
antes de anoitecer
pois agora lá fora

todo mundo é uma ilha
a milhas e milhas e milhas...




engenheiros.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

tatuagem



Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem.

E também pra me perpetuar
Em tua escrava
Que você pega, esfrega
Nega, mas não lava.

Quero brincar no teu corpo
Feito bailarina
Que logo te alucina
Salta e se ilumina
Quando a noite vem.

E nos músculos exaustos
Do teu braço
Repousar frouxa, farta
murcha, morta de cansaço.

Quero pesar feito cruz
Nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem.

Quero ser a cicatriz
Risonha e corrosiva
Marcada a ferro
A fogo a frio
Em carne viva.

Corações de mãe, arpões
Sereias e serpentes
Que te rabiscam
O corpo todo
Mas não sentes.



chico buarque / ruy guerra

segunda-feira, 19 de julho de 2010

poema do fanático



Não bebo álcool, não tomo ópio nem éter,
Sou o embriagado de ti e por ti.
Mil dedos me apontam na rua:
Eis o homem que é fanático por uma mulher.

Tua ternura e tua crueldade são iguais diante de mim
Porque eu amo tudo o que vem de ti.
Amo-te na tua miséria e na tua glória
E te amaria mais ainda se sofresses muito mais.

Caíste em fogo na minha vida de rebelado.
Sou insensível ao tempo - porque tu existes.
Eu sou fanático da tua pessoa,
Da tua graça, do teu espírito, do aparelhamento da tua vida.
Eu quisera formar uma unidade contigo
E me extinguir violentamente contigo na febre da minha, da tua, da nossa poesia.


murilo mendes

domingo, 11 de julho de 2010

cantares de perda e predileção



Vida da minha alma:
Um dia nossas sombras
Serão lagos, águas
Beirando antiqüíssimos telhados.
De argila e luz

Fosforescentes, magos,
Um tempo no depois
Seremos um só corpo adolescente.
Eu estarei em ti
Transfixiada. Em mim
Teu corpo. Duas almas
Nômades, perenes
Texturadas de mútua sedução.

(LXVII) hilda hilst

quinta-feira, 8 de julho de 2010

canção de preferência

Não quero teus seios túmidos
de desejos maternais.
Se teus seios são redondos,
há muitos outros iguais.

Não quero teus lábios úmidos
(beijos, carícias, corais).
Se teus lábios são vermelhos,
existem lábios iguais.

Não desejo teus cabelos
- lembranças de vendavais -
Se teus cabelos são belos,
sei de cabelos iguais.

Não, não desejo teu corpo
de contornos sugestivos,
de braços, de tudo o mais...

Só quero teus olhos - teus
olhos sem adjetivos

- teus olhos originais!


ferreira gullar

terça-feira, 15 de junho de 2010

estas verdades



Estas verdades não são perfeitas porque são ditas.
E antes de ditas pensadas.
Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias
Na negação oposta de afirmarem qualquer cousa.
A única afirmação é ser.
E ser o oposto é o que não queria de mim.

alberto caeiro - pessoa.

domingo, 6 de junho de 2010

Canção quase inquieta



De um lado, a eterna estrela,
e do outro a vaga incerta,

meu pé dançando pela
extremidade da espuma,
e meu cabelo por uma
planície de luz deserta.

Sempre assim:
de um lado, estandartes do vento...
- do outro, sepulcros fechados.
E eu me partindo, dentro de mim,
para estar no mesmo momento
de ambos os lados.

Se existe a tua Figura,
se és o Sentido do Mundo,
deixo-me, fujo por ti,
nunca mais quero ser minha!

(Mas, neste espelho, no fundo
desta fria luz marinha,
como dois baços peixes,
nadam meus olhos à minha procura...

Ando contigo - e sozinha.
Vivo longe - e acham-me aqui...)

Fazedor da minha vida,
não me deixes!
Entende a minha canção!
Tem pena do meu murmúrio,
reúne-me em tua mão!

Que eu sou gota de mercúrio,
dividida,
desmanchada pelo chão...



cecília meireles

quinta-feira, 3 de junho de 2010

a átis



Não minto: eu me queria morta.
Deixava-me, desfeita em lágrimas:

"Mas, ah, que triste a nossa sina!
Eu vou contra a vontade, juro,
Safo". "Seja feliz", eu disse,

"E lembre-se de quanto a quero.
Ou já esqueceu? Pois vou lembrar-lhe
Os nossos momentos de amor.

Quantas grinaldas, no seu colo,
— Rosas, violetas, açafrão —
Trançamos juntas! Multiflores

Colares atei para o tenro
Pescoço de Átis; os perfumes
Nos cabelos, os óleos raros

Da sua pele em minha pele!
[...]
Cama macia, o amor nascia
De sua beleza, e eu matava
A sua sede" [...}

Cai a lua, caem as plêiades e
É meia-noite, o tempo passa e
Eu só, aqui deitada, desejante.

— Adolescência, adolescência,
Você se vai, aonde vai?
— Não volto mais para você,
Para você volto mais não.

Safo

segunda-feira, 31 de maio de 2010




Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.
Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.
Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.
Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.
hilda hilst

quinta-feira, 27 de maio de 2010




alegre, era a gente viver devagarzinho,
miudinho, não se importando
demais com coisa nenhuma.
...

sábado, 15 de maio de 2010




Hoje tomaria um porre de conhaque com você. Um porre lúcido. Fomos feitos para tomar porres de conhaque um com o outro. Lembrei duns versos de Bob Dylan, que me vieram em português — não sei em inglês, nem de que canção seriam: “Se eu quisesse, poderia enlouquecer / sei tantas histórias terríveis”. Algo assim.

caiof.

versos íntimos




Vês?! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te a lama que te espera!
O Homem que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera

Toma um fósforo, acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro.
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga
Apedreja essa mão vil que te afaga.
Escarra nessa boca de que beija!


augusto dos anjos

terça-feira, 11 de maio de 2010





Sobre cada dia ela se equilibrava nas pontas dos pés,

sobre cada frágil dia que de um instante para outro
poderia se partir e cair em escuridão. Mas ela
milagrosamente o atravessava e exausta de alegria
e cansaço chegava a dormir para o dia
seguinte surpreendida recomeçar.



clarice

terça-feira, 27 de abril de 2010




When we meet again
Introduced as friends
Please don't let on that you knew me when
I was hungry and it was your world.


just like a woman - bob dylan

sábado, 24 de abril de 2010



todo caminho da gente é resvaloso. Mas, também, cair não prejudica demais - a gente levanta, a gente sobe, a gente volta.




guimarães rosa

domingo, 18 de abril de 2010



não é sadismo quanto as lágrimas, tampouco medo da solidão,
há necessidade, calor, cheiro, sexo, tato, sintonia. não há que se perder
anseios, nem certezas.
dizem que amores vêm e vão, mas não nos perguntam quem queremos que fique.
não nos avisam que não adianta construir castelos nem em cima de nós mesmos, nem
ao redor de outro ser.
o que se faz quando tudo que você julgava correto não é mais assim ?
será que de repente você errou e não percebeu, achando que estava indo bem ?
como suportar agora continuar sem aquele gosto ?
as vezes fica a idéia de que era melhor não estar

respirando, porque a dor dilacera como um punhal cravado no peito, cruel.

não nos ensinam a desamar, isso é um erro grave. porque já pensou
o tamanho do precipicio que fica em quem fica ?



candice machado

sábado, 17 de abril de 2010

o homem público n° 1



Tarde aprendi

bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.


ana cristina cesar

quinta-feira, 15 de abril de 2010

canção da mirada secreta



Foram-se os amores que tive

ou me tiveram. Partiram
num cortejo silencioso e iluminado.
A solidão me ensina
a não acreditar na morte
nem demais na vida: cultivo
segredos num jardim
onde estamos eu, os sonhos idos,
os velhos amores e os seus recados,
e os olhos deles que ainda brilham
como pedras de cor entre as raízes.


lya luft

segunda-feira, 12 de abril de 2010



Coveiros gemem tristes ais
E realejos ancestrais juram que
Eu não devia mais querer você
Os sinos e os clarins rachados
Zombando tão desafinados
Querem, eu sei, mas é pecado
Eu te perder
[...]


tanto - skank

terça-feira, 6 de abril de 2010

prelúdios intensos para os desmemoriados do amor

III


Contente. Contente do instante

Da ressurreição, das insônias heróicas
Contente da assombrada canção
Que no meu peito agora se entrelaça.
Sabes? O fogo iluminou a casa.
E sobre a claridade do capim
Um expandir-se de asa, um trinado

Uma garganta aguda, vitoriosa.

Desde sempre em mim. Desde
Sempre estiveste. Nas arcadas do Tempo
Nas ermas biografias, neste adro solar
No meu mudo momento

Desde sempre, amor, redescoberto em mim.



hilda hilst

segunda-feira, 5 de abril de 2010

esotérico


Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu pra você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões, todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí
Não adianta nem me abandonar (não adianta não)
Nem ficar tão apaixonada, que nada
Que não sabe nadar
Que morre afogada por mim.


gilberto gil

domingo, 4 de abril de 2010

canção da estrela murmurante



Nós nos amaremos docemente,

Nesta luz, neste encanto, neste medo:
Nós nos amaremos livremente
No dia marcado pelos deuses.

Nós nos amaremos com verdade
Porque estas almas já se conheciam:
nós nos amaremos para sempre
Além da concreta realidade.

Nós nos amaremos lindamente,
nós nos amaremos como poucos.
no teu tempo.



lya luft

quarta-feira, 31 de março de 2010




- Só quem já teve um dragão em casa pode saber como essa casa parece deserta depois que ele parte.



caiof.

segunda-feira, 29 de março de 2010

aquela


Minha amada é de carne,

de pele e pêlo.
Ora é negra, ora é loura, ora é vermelha.
Minha amada é três. É trinta e três.
Minha amada é lisa, é crespa, é salgada, é doce.
Ela é flor, é fruto, é folha, é tronco.
Também é pão, é sal e manga-rosa.
Minha amada é cidade de ruas e pontes.
É jardim de arrancar flores pelo talo.
Ela é boazuda e é bela como uma fera.
Minha amada é lúbrica, é casta, é catinguenta.
Minha amada tem bocas e bocas de sorver,
de sugar, de espremer, de comer.
Minha amada é funda, latifúndia.
Minha amada é ela, aquela que não vem.
Ainda não veio, nunca veio, ainda não.
Mas virá, ora se virá. A diaba me virá.



darcy ribeiro

sábado, 27 de março de 2010

Silêncio.
Se um dia Deus vier à terra haverá silêncio grande.
O silêncio é tal que nem o pensamento pensa. O final foi bastante grandiloquente para a vossa necessidade? Morrendo ela virou ar: Ar enérgico? Não sei. Morreu em um instante. O instante é aquele átimo de tempo em que o pneu do carro correndo em alta velocidade toca no chão e depois não toca mais e depois toca de novo. Etc., etc., etc. No fundo ela não passara de uma caixinha de música meio desafinada.
Eu vos pergunto:
- Qual é o peso da luz?

E agora - agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas - mas eu também?!
Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim.



clarice

toque-me



Toque baião, toque frevo,
toque rock, toque rumba,
mas não toque nesse assunto
toque tudo sempre assim
só não toque nesse assunto
e nunca toque no fim
toque paixão, toque samba,
toque funk, toque mambo
toque só porque eu mando
toque o mundo, toque fundo
eu quero que você se toque
em cada parte de mim.


alice ruiz

terça-feira, 23 de março de 2010

segunda-feira, 22 de março de 2010

auto retrato



Alguém diz que sou bondosa:
está tão enganado que dá pena.

Alguém diz que sou severa,
e acho graça.

Não sou áspera nem amena:
estou na vida como o jardineiro

se entrega em cada rosa:
corte, sangue, dor e aroma

para que a beleza fique na memória
quando a flor passa.

Amar é lidar com os espinhos de quem ama por inteiro:
com força, não com fraqueza.



lya luft

sexta-feira, 19 de março de 2010

agora saudade




saudade de alguém para contar meus segredos, para chorar meus medos, para acalmar meu coração. saudade de um colo que me faça descansar meu desespero, saudade de um gesto de desejo, de um sorriso, de uma palavra.

saudade de ficar sem fazer nada, discutindo as formas das nuvens, de deitar na grama e ficar abraçado. saudade do carinho quando ganhamos cafuné, saudade do cheiro e do gosto depois do sexo.
saudade de declarações inesperadas, de acordar no meio da noite e receber uma ligação, saudade do sabor de fim da tarde vendo o pôr-do-sol e um sorriso.
saudade de pertencer.
saudade cor de abóbora, com gosto de outono sem flor nenhuma.
saudade começada, incontida, sozinha.



candicemachado

quarta-feira, 17 de março de 2010



Dói muito, mas eu não vou parar. A minha não-desistência é o que de melhor posso oferecer a você e a mim neste momento. Pois isso, saiba, isso que poderá me matar, eu sei, é a única coisa que poderá me salvar. Um dia entenderemos talvez.




caiof.abreu

segunda-feira, 15 de março de 2010




Preciso sim, preciso tanto.
Alguém que aceite tanto meus sonos

demorados quanto minhas insônias insuportáveis.


caiof.

domingo, 14 de março de 2010

canção para um desencontro



Deixa-me errar alguma vez,

porque também sou isso: incerta e dura,
e ansiosa de não te perder agora que entrevejo
um horizonte.

Deixa-me errar e me compreende
porque se faço mal é por querer-te
desta maneira tola, e tonta, eternamente
recomeçando a cada dia como num descobrimento
dos teus territórios de carne e sonho, dos teus
desvãos de música ou vôo, teus sótãos e porões
e dessa escadaria de tua alma.

Deixa-me errar mas não me soltes
para que eu não me perca
deste tênue fio de alegria
dos sustos do amor que se repetem
enquanto houver entre nós essa magia.


lya luft


- Então, de repente, sem pretender,
respirou fundo e pensou que era bom viver.
Mesmo que as partidas doessem, e que a cada dia fosse necessário
adotar uma nova maneira de agir e de pensar, descobrindo-a inútil
no dia seguinte - mesmo assim era bom viver. Não era fácil,
nem agradável. Mas ainda assim era bom.
Tinha quase certeza.



caiof.abreu

quarta-feira, 10 de março de 2010

Para pensar em ti todas as horas fogem



para pensar em ti todas as horas fogem:

o tempo humano expira em lágrima e cegueira.
tudo são praias onde o mar afoga o amor.

quero a insônia, a vigília, uma clarividência
desse instante que habito - ai, meu domínio triste!,
ilha onde eu mesma nada sei fazer por mim.

vejo a flor, vejo no ar a mensagem das nuvens
- e na minha memória és imortalidade -
vejo as datas, escuto o próprio coração.

e depois o silêncio. e teus olhos abertos
nos meus fechados. e esta ausência em minha boca:
pois bem sei que falar é o mesmo que morrer.

da vida à vida, suspensas fugas.

cecilia meireles

sábado, 20 de fevereiro de 2010

acrobata da dor

=x



Gargalha, ri, num riso de tormenta,

como um palhaço, que desengonçado,
nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
de uma ironia e de uma dor violenta.

Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita os guizos, e convulsionado
salta, gavroche, salta clown, varado
pelo estertor dessa agonia lenta ...

Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
nessas macabras piruetas d'aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Coração, tristíssimo palhaço.


cruz e souza

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010




Amor - chama, e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...

Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...

Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama, e, depois, fumaça...

A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...

Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama, e, depois, fumaça...

Portanto, mal se satisfaça
(Como te poderei dizer?...)
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas...tem de ser...
Amor?...- chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa.


manuel bandeira - chama e fumo

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010



..
vi todo amor que em mim
ainda não passou
eu já não sei bem aonde vou,
mas agora eu vou.



a.carolina/m.gadu

domingo, 14 de fevereiro de 2010



E eu que esperava fogos de artíficio,

esqueci que as estrelas não fazem barulho.


clarice




Sem atalhos mergulhei pelos caminhos do saber.
Conheci a inquietude, o descontentamento, mas também o fascínio irresistível do maravilhoso.
Pequeno ante o grandioso, grande ante a pequenez do espírito e a pretensa força dos poderosos, de tudo me procurei aproximar, tangido pela atração do desconhecido, do irrealizado.

leonardo da vinci



Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
Mais uma vez eu sei
Escuridão já vi pior de endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem.

Tem gente que está do mesmo lado que você
Mas deveria estar do lado de lá
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Tem gente enganando a gente
Veja a nossa vida como está
Mas eu sei que um dia a gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança!

Mas é claro que o sol vai voltar amanhã
Mais uma vez eu sei
Escuridão já vi pior de endoidecer gente sã
Espera que o sol já vem.

Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena
Acreditar no sonho que se tem
Ou que seus planos nunca vão dar certo
Ou que você nunca vai ser alguém
Tem gente que machuca os outros
Tem gente que não sabe amar
Mas eu sei que um dia a gente aprende
Se você quiser alguém em quem confiar
Confie em si mesmo
Quem acredita sempre alcança!




mais uma vez - renato russo

sábado, 13 de fevereiro de 2010

=)



Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos




Sophia de Mello Breyner
- a paz sem vencedor e sem vencidos

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010





Já entrei contigo em comunicação tão forte que

deixei de existir sendo.
Tu tornas-te um eu. É tão difícil falar e dizer coisas
que nunca podem ser ditas.
É tão silencioso.
Como traduzir o silêncio do encontro real, entre nós dois?
Dificílimo contar: olhei pra vc por uns instantes,
tais momentos são meu segredo.
Houve o que se chama de comunhão perfeita..
Eu chamo isso de estado agudo de felicidade.


claricelispector

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010




Onde começa a boca ?


no beijo?
no insulto?
na mordida?
no grito?
no bocejo?
no sorriso?
no apito?
na ameaça?
no gemido?

que fique bem claro
onde termina a tua boca,
começa a minha.


mario benedetti - Dónde empieza la boca?

domingo, 31 de janeiro de 2010




A vida é igual em toda a parte e o que é necessário é a gente ser a gente.

=D

claricelispector

sábado, 30 de janeiro de 2010

coisa amar





Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.



manuel alegre

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010




Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:

Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.


manoel de barros - deus disse


(pane na penha ^^)kkk

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

aqui ficam as coisas




Aqui ficam as coisas.
Amar é a mais alta constelação.
Os sapatos sem dono
tripulando
na correnteza-espaço
em que deitamos.

As minhas mãos telhado
no teu rosto de pombas.

Os corpos circulando
na varanda dos braços.

É a mais alta constelação.




carlos nejar 

domingo, 24 de janeiro de 2010




Esse seu silêncio
soa como um grito,
abafado em panos.
Só faz denunciar os danos que causei.
Desculpe o mal jeito,
mas comporto, em minha quota de defeitos,
não levar junto os enganos que eu amei.



flora figueiredo - Atitude

passarinhos

  Despencados de voos cansativos Complicados e pensativos Machucados após tantos crivos Blindados com nossos motivos Amuados, reflexivo...