terça-feira, 26 de outubro de 2010

o apanhador de desperdícios



Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso as palavras para compor meus silêncios.



manoel de barros

quinta-feira, 21 de outubro de 2010




- tudo é pretexto para o abandono de si mesmo e para a preguiça mental. estou feliz e o que é preciso mesmo é, como você sempre diz, construir um pouco minha felicidade. clarice

terça-feira, 19 de outubro de 2010

enchantagem


de tanto não fazer nada
acabo de ser culpado de tudo

esperanças, cheguei
tarde demais como uma lágrima

de tanto fazer tudo
parecer perfeito
você pode ficar louco
ou para todos os efeitos
suspeito
de ser verbo sem sujeito

pense um pouco
beba bastante
depois me conte direito

que aconteça o contrário
custe o que custar
deseja
quem quer que seja
tem calendário de tristezas
celebrar

tanto evitar o inevitável
in vino veritas
me parece
verdade

o pau na vida
o vinagre
vinho suave

pense e te pareça
senão eu te invento por toda a eternidade.

leminski

quinta-feira, 14 de outubro de 2010




Um dia desses tive um ódio muito forte, coisa que eu nunca me permiti; era mais uma necessidade de ódio.
Então escrevi um conto chamado "O Búfalo", tão, tão forte.
É a história de uma mulher que vai ao Jardim Zoológico para aprender com os bichos como odiar. Mas é primavera e os animais estão mansos, mesmo o leão lambe a testa da leoa.
Essa mulher, que só aprendeu a perdoar e a se resignar e amar, precisa pelo menos uma vez tocar no ódio de que é feito o seu perdão.
Entende-se que ninguém tem culpa: ela está tentando odiar um homem cujo "único crime impunível" é não amá-la. Na verdade, por mais irracional que fosse, ela o odiava, só que não conseguia sentir em cheio o próprio ódio.
Depois é que vem o búfalo. Mas estou vendo que estou matando a história, contando-a desse jeito.
Um dia vocês verão.

clarice

terça-feira, 12 de outubro de 2010




...
e à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
nada do que não era antes quando não somos mutantes

e foste um difícil começo
afasto o que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende depressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso

do avesso
do avesso
do avesso
...




caetano

passarinhos

  Despencados de voos cansativos Complicados e pensativos Machucados após tantos crivos Blindados com nossos motivos Amuados, reflexivo...